segunda-feira, 1 de setembro de 2025

A derradeira intimação


- Com licença?


- Pois não.


- Eu sou oficial de justiça e vim entregar uma intimação.


- Mas... Como assim? Isto aqui é um VELÓRIO!


- Eu sei.


- E o senhor vem aqui, em pleno velório, entregar uma intimação?


- Sim. Eu entendo a situação, mas...


- Mas o quê?


- Mas é minha obrigação entregar.


- Quem mandou entregar essa intimação?


- Foi o Doutor Alexandre.


- Ah, o Doutor Alexandre...


- Isso mesmo.


- Tinha que ser coisa do Doutor Alexandre.


- Pois é.


- E... Eu posso saber a quem é dirigida essa intimação?


- Claro. Ao senhor... Plácido Inocêncio Calado.


- O QUÊ?! AO FALECIDO?! Aí, não! O senhor está de sacanagem!


- Não estou, não.


- COMO se pode entregar uma intimação a um defunto?


- Bem, o Doutor Alexandre...


- O Doutor Alexandre é um AMORAL!


- Moraes.


- Hein?


- Não é AMORAL. É MORAES.


- É. Os dois.


- Como disse?


- E como é que o Doutor Alexandre espera que o falecido assine o recebimento da intimação?


- Ele VAI TER que assinar. É uma ordem do Doutor Alexandre.


- E...?


- E ele VAI TER que assinar.


- Mas o cara MORREU!


- Isto não pode ser um impeditivo.


- COMO NÃO? É um impeditivo definitivo! O CARA MO-RREU! (Permita-me colocar os dois erres na mesma sílaba, embora errado, por uma questão de ênfase.)


- A propósito, o senhor é quem, afinal?


- Sou amigo de infância do finado.


- E o que o senhor faz aqui?


- Ora, eu vim prestar a minha última homenagem a ele.


- Então faça a gentileza de o convencer a assinar o recebimento da intimação.


- Mas COMO? Se o cara está MORTO!


- O senhor é que é amigo dele. Deve saber como.


- Olha, oficial, esta conversa de maluco está tomando um rumo muito esquisito.


- Esquisito para o senhor. Eu vim aqui cumprir uma ordem do...


- Doutor Alexandre.


- E ordem do Doutor Alexandre, o senhor sabe, não se discute, se cumpre.


- E eu com isso, meu caro?


- Eu posso lhe dar voz de prisão por obstrução da justiça, se o senhor não cumprir a determinação de fazer com que o seu amigo de infância assine o recebimento da intimação.


- Eu?! Voz de prisão? Por não obrigar o falecido a assinar um papel? O senhor é louco!


- Eu não! Mas o Doutor Alexandre...


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