quarta-feira, 7 de março de 2012

Se é por falta de adeus...

  
(Nota do Editor: antes de ser acusado de falsa premonição, por qualquer motivo, quero deixar publicada esta crônica de vida, rascunhada pelo jornalista Hermógenes Florisberto, 'colaborador esporádico e espasmódico', há quase uma década, em junho de 2002 - e finalmente escrita exatos dois anos depois, em 2004. O grande Hermô, como tratado na intimidade, trabalhou na mui querida Rádio Grafia FM, entre março de 1986 e janeiro de 1987.)


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Demorou, mas ele se foi. Para sempre, graças a Deus – se é que Ele quer se meter com este barulho. Houve quem dissesse que ele descansou, mas sou da filosofia de que descansamos nós, que ficamos por aqui, sem ele. A paz que ele perturbou quando deveria ter o controle da situação, deixando-nos à mercê de vagabundos cada vez mais resistentes, enfim volta a reinar, com a sua ausência tão desejada.

Todos, à nossa volta, pasmem, disseram maravilhas a seu respeito. Que era a mais digna das criaturas e só praticou a bondade, honrando a sua pátria e a sua gente. Até os opositores, cujas faces, ante as câmeras de televisão, brilhavam não por conta do suor provocado pelo calor dos refletores, mas em função do óleo de peroba providencialmente aspergido após o barbear da manhã. As falcatruas e punhaladas impiedosas que praticava, que já nem tinham registro na memória dos seguidores e bajuladores, desapareceram da mente do povo que chorava copiosamente a perda repentina.

Não faltou quem propusesse ao Vaticano a sua canonização. Mas acho que o bom senso prevaleceu e resolveram poupar o Papa, coitado, de tamanha avacalhação. No máximo, bustos aqui e ai, nas cidades por onde construiu a sua (má) reputação e um ou outro nome de rua, de preferência onde se situe algum prostíbulo mal afamado ou boca-de-fumo de uma favela barra-pesada.

Sua vida, diga-se de passagem, não poderia ser traduzida propriamente como um currículo, estando mais para ficha corrida, pelos frequentes descaminhos de caráter. Muito prontuário policial que conheço nem chega a criar embaraço à consciência de quem o possui, ao contrário dos fatos de sua existência, marcada por uma postura minimamente imbecil.

O pároco, que caprichou nos paramentos, encomendou o corpo com o rito de praxe. De nossa parte, encomendamos quinze caixas de Bohemia, para comemorar a ocasião. Um coma alcoólico digno do ilustre falecido, a quem renderemos todas as homenagens, jatos profusos de urina e portentosas vomitadas.

Finalmente, fomos ao velório, dar o último adeus e, acima de tudo, ter a certeza de que o desgraçado foi mesmo embora. Ainda fizemos uma certa pressão junto à família, no sentido de que mudassem de ideia em relação ao enterro, concordando com a cremação. Por uma questão de garantia, é claro: a de que o dito nunca mais iria ressuscitar e ter a audácia de aparecer por aqui para nos azucrinar.

De uma forma ou de outra, que siga adiante. E vade retro, coisa ruim!

   

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